quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Eutanásia financeira - António Bagão Félix

A economia da saúde está cada vez mais dependente da saúde da economia. Daí a necessidade de uma séria ponderação do custo-benefício e da equidade da despesa. Nada de incomum, mas com a enorme diferença de aqui estar em jogo o mais absoluto valor: o da vida.

Vem isto a propósito do parecer do Conselho de Ética para as Ciências da Vida sobre a utilização de medicamentos oncológicos, contra a sida e artrite reumatóide, responsáveis por parte significativa do gasto com fármacos.

A ideia do parecer – e das declarações do seu presidente – é a de que deve haver “racionamento ético” (foi o termo) no seu uso quando se trata de prolongar a vida dos doentes. Propõe-se que em “diálogo e com toda a transparência” (sic!) com os doentes se “negoceie” a medida terminal da vida: “viver mais 1 mês custa X, 3 meses custa Y. O que acha, meu caro doente?”

O espartilho orçamental não justifica tudo. E muito menos visões redutoras do valor da vida.

Imersa na primazia da quantidade, a pessoa humana é reduzida à condição indigna de instrumento ou meio. Deixa de ser vista como princípio, sujeito e fim de toda e qualquer acção.

A ética de cuidar não se esgota na ética de curar. Se esta forma de “eutanásia financeira” faz doutrina, que futuro para os cuidados paliativos e continuados?

Este é o país onde, na lei, se desvaloriza a vida antes do nascimento. Agora quer-se desvalorizá-la antes da morte. Com uma desumana equação de euros versus um pedaço de vida.

Este é o país onde há dinheiro para o aborto voluntário e respectiva licença da Seguança Social. Mas, ao mesmo tempo, se quer “tabelar”, por razões financeiras, o tempo final da vida. Qualquer “troika” não faria melhor…


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