sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Mãe biológica ainda pode recuperar filho adoptado

Mesmo depois de o tribunal ter decretado a adopção de J. H., em 2008, a lei permite a revisão da sentença, que pode, em último caso, levar à sua anulação. Ana Oliveira, mãe de J. H., não consentiu a adopção e tem agora mais seis meses, ao abrigo do artigo 1990 do Código Civil, que prevê exactamente a situação em que o consentimento do pai biológico foi dispensado, para pedir a revisão. No entendimento do procurador/coordenador do Tribunal de Menores de Lisboa, Celso Manata, a anulação da adopção "é tecnicamente possível", mas na prática "é muito difícil", já que a prioridade do tribunal é zelar pelo interesse desta criança, hoje com sete anos e a viver com os pais adoptivos há quase três. Apesar das dificuldades, a advogada da mãe biológica, Isilda Pegado, está a preparar o pedido de revisão que acredita poder ser aceite. A concretizar-se a anulação da adopção, esta seria a primeira vez no país, segundo Celso Manata.

"Tudo pode acontecer. A Relação pode mandar repetir o julgamento ou este pode ser apreciado com base nos documentos que estão no processo. Também pode não aceitar a revisão, mesmo considerando que tenha havido um erro", afirma Isilda Pegado. Ora, o mesmo artigo também prevê que a revisão não seja concedida, caso venha a afectar os interesses da criança. Recorde-se que J. H. viveu com a mãe biológica até aos dez meses, data em que terá sido institucionalizado e adoptado aos quatro anos. A presidente do Instituto de Apoio à Criança (IAC) diz ao i que, embora "ocorram erros" num primeiro diagnóstico, se a criança já tem um vínculo com os pais adoptivos a prioridade será sempre para mantê-los. "Mesmo que se venha a provar que houve um erro, se forem cimentadas novas relações afectivas, o principal interesse será mantê-las", frisa Dulce Rocha.

O filho de Ana Oliveira vive em Vila Verde. No entanto, ao que o i apurou terá mudado de escola recentemente. De acordo com uma funcionária da Escola Primária do Alívio, onde estudou até Dezembro, J. H. "é um miúdo muito bem tratado, muito alegre e participativo". Segundo a descrição da funcionária, que preferiu não ser identificada, era a mãe adoptiva, que é educadora de infância, quem ia buscá-lo à escola. E, numa dessas vezes, disse à funcionária para ter atenção ao miúdo. "Não tinha grandes conversas com a mãe, falámos uma vez e ela disse-me de uma maneira muito camuflada que o miúdo era adoptado e para termos cuidado que podia vir alguém e levá--lo. Nós éramos muito cuidadosas com os portões e tudo", conta. Não foi possível saber se a mudança de escola esteve relacionada com as visitas da mãe biológica às redondezas.

Ora, atendendo às declarações de Celso Manata e Dulce Rocha, caso o Tribunal da Família e Menores de Braga, onde se encontra agora o processo, proceda à revisão da sentença, não deverá recuar na adopção. A advogada Isilda Pegado vai agora concentrar esforços nos depoimentos da psiquiatra Purificação Horta e da pediatra Odília Nascimento, que têm uma opinião favorável sobre as capacidades parentais da mãe biológica.

Ana Oliveira, a mãe biológica, continua a apontar o dedo à Comissão de Protecção de Menores de Cascais (CPMC), que acusa de não ter dado resposta ao seu pedido de ajuda, e ao Lar da Encosta, onde o filho esteve institucionalizado, que diz ter sugerido, desde o início, a adopção. "No primeiro dia em que fui visitar o meu filho ao Lar da Encosta, a directora perguntou-me se eu não o queria dar para adopção", relata. Na opinião da advogada Isilda Pegado, Ana foi vítima de um "preconceito agravado pela relação que estabeleceu com as pessoas no Lar da Encosta". Em resposta ao i, a directora da instituição, Fátima Serrano, observa que "a intervenção em todos os casos se orienta por princípios rigorosos com respeito absoluto pela criança e pela sua família, procurando sempre promover a reunificação familiar, desde que ela não se mostre contrária ao superior interesse da criança". Não foi possível obter um esclarecimento da Segurança Social nem da CPMC sobre este caso específico.


Contudo, o presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, falou a título geral, salvaguardando "que as comissões só podem intervir com o consentimento da família biológica" e que "o contraditório é sempre analisado em tribunal". Questionado sobre o número de crianças adoptadas sem o consentimento dos pais, Armando Leandro apenas comenta que "o facto de haver vários casos significa que o interesse da criança está mais reconhecido". Dulce Rocha lembra que "às vezes um diagnóstico inicial errado influencia todas as instâncias da decisão". Na opinião da presidente do IAC "temos casos em que se avança para adopção prematuramente, mas também existem crianças que esperam demasiado tempo para serem adoptadas". Celso Manata sublinha que o procedimento do tribunal é sempre favorável aos pais biológicos, "a quem é dado tempo para demonstrarem que conseguiram inverter a situação e cuidar da criança". Para o tribunal decretar a adopção "é preciso confirmar que os laços entre o menor e a família se quebraram".

por Cláudia Garcia, Publicado em 11 de Fevereiro de 2011, ionline.

Artigo relacionado com o de ontem. É o mesmo caso.




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