quarta-feira, 20 de junho de 2007

Como será estar contente?

Como será estar contente?

Lançar os olhos em volta,

moderado e complacente,

e tratar toda a gente

sem tristeza nem revolta?

Sentir-se um homem feliz,

satisfeito com o que sente,

com o que pensa e com o que diz?

Como será estar contente?

Deve haver alguma mecânica,

qualquer retesada mola

que se solta e desenrola

no próprio instante preciso,

para que um homem de carne,

de olhos pregados no rosto,

possa olhar e rir com gosto

sem estranhar o som do riso.

Na minha tosca engrenagem,

de ferrugenta sucata,

há qualquer mola de lata

que não se distende bem,

qualquer dessorada glândula

ou nervo que não se enfeixa,

qualquer coisa que não deixa

deflagrar essa girândola

de timbres que o riso tem.

Não ter riso e não ter casa,

nem dinheiro nem saúde,

não se conta por virtude

que a miséria é ferro em brasa.

Mas ter casa, ter dinheiro,

ter saúde e não ter riso,

flagelar-se o dia inteiro

como se o sangrar primeiro

fosse um tormento preciso,

tê-lo sempre forte e vivo,

espantado a todo o momento,

isso sim, será motivo

de grande contentamento.

António Gedeão



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