quinta-feira, 7 de junho de 2007

Como se passa um dia (III)

12.20 Chegamos finalmente. Chego ao quarto. Devia limpá-lo, tá a começar a ficar um nojo. E como tenho o colchão no chão não posso deixar acumular pó. Mas antes, fazer a cama, arrumar a casa de banho. Senão só depois do almoço.

12.57 Como o tempo passa a correr… Tarda nada almoço. Tou a ouvir música em cima da cama, a levar com o vento da ventoinha. Devia fazer o trabalho de Antropologia. E a prova modelo de Latim…depois… e devia arrumar os meus papéis… (Uma torre do tombo, a minha secretária tá uma torre do tombo, com direito a pó e tudo.Mil papeis mas já todos meio organizados. Papeis para guardar no caixote das recordações. Contas para acertar. Livros para ler. Trabalhos para fazer, cds para passar para o computador. Tudo no seu canto. Mas agora não, vou-me deixar ficar a pensar na vida a ouvir música. Recebo umas msgs e vou respondendo. O mundo segue igual lá fora. Este começou namoro, o outro acabou. Vai haver uma festa amanhã “sorry, não posso ir…Tenho coisas cá no seminário!”; “Gostava muito de ir mas não me deixam” é o que uso quando estou mais revoltado! (Passa agora um carro na estrada com kizomba aos berros. Acho engraçado. E continuo a ouvir, porque o sinal está encarnado e ele tem de ficar à espera).

13:25 Bom, vou subindo para o almoço, levo comigo a flor, que entretanto pus em água para não murchar. Vou à cozinha buscar os cestos do pão para pôr nas mesas. Só ainda lá está o Rúben, a fazer sumo de manda para o almoço. Não há-de ser para mim!

13:36 Chega o Pe Nuno Isidro e traz a D. Benedita na cadeirinha.Já lá lhe pus a flor, ao lado do guardanapo. Mal chega e a vê procura-me com o olhar. Eu já tou à espera e ela ri-se “Obrigado! Estas são bonitas!”. Chego perto dela, dou-lhe um beijinho e digo-lhe (ao ouvido, muito alto) E cheire lá! É bom!” Concorda. Para o ano faz 100 anos! Olha para mim com aquele ar desconfiado e malandro como quem diz “Você de camisa de flanela num dia destes??” (Costuma chamar-me o calorífero, porque ando sempre com calor e ela sempre com a mantinha nos ombros. Como agora!) “Pois foi, enganei-me!”Mas já me vou trocar, pensei…

13:44 Entretanto já chegou a outra carrinha e já cá tamos todos. “Ave-Maria…” rezamos todos. Sentei-me na presidência, ao lado do Pe Ricardo. Vem a sopa e eu comento o calor que está. E o que é que o Pe Ricardo responde? Sim… “Ainda bem que vieste de sobretudo!” Riso geral, meu também! Realmente é de rir. Como sopa, é canja. Como a dobrar quando me apercebo que o almoço é polvo à lagareiro. Mas o Pe Ricardo já me topou e diz “Não te safas de um bocadinho de polvo…” Bolas. Vou lá buscar os animais que jazem nas travessas. Na cozinha almoçam a D. Clara e a Lurdes, da cozinha e da roupa. Foi automático: “Ó Empis, você tem o termóstato ao contrário? No Inverno é t-shirt e agora essa camisa?” Talvez deitar a camisa para o lixo, penso para mim. Comi uma perna do polvo, com muita aguinha a ajudar e umas batatas para tirar o sabor. No fim até comi meia maça para tirar o sabor.

14:20 Acaba o almoço, rezamos. Depois de levantar a mesa vou ao quarto buscar o livro e vou para o bar com os outros. Tou a ler Mrs Dalloway, da Virginia Wolf. Não é fácil mas tou a gostar. Leio devagar. As conversas vão surgindo, uns jogam sueca.

14.45 Acaba o intervalo, vamos trabalhar. Muuuito devagarinho vou subindo até ao claustro, passeio por ali. O Zeca tá espojado no chão com o ar mais mole de sempre. Será que ainda está vivo? Vou lá ver. Infelizmente está. Se bem que pelo cheiro é duvidoso. Ainda tento falar com ele! “Maria José, anda cá!(É macho, mas para mim Zeca é nome de tia, por isso ficou Mª José). Como não mexe mais do que a cabeça desisto e ando para o quarto. Vejo pela milésima vez o quadro com as actividades desta semana e da próxima. Por estes dias nada fora do normal, só há a festa de anos do Miguel para a semana. Tão quase a acabar as aulas, mal posso esperar…

14.58
Não gosto que o quarto esteja nas catacumbas, mas se tem uma coisa boa é que é o sítio mais fresquinho deste lado. E tenho os estores fechados, obviamente… Mal chego, decido: “Sem um duche rápido e uma mudança de roupa não consigo trabalhar!”

15.00 Hora da Misericórdia. Mando umas mensagens. Depois num ímpeto de raiva arranco a camisa e atiro-a para o chão” Ah, olha para ti agora! Já não és tão opressora agora pois não? O quê? Foi sem querer? Tiveste aqui no Inverno para mim?? Oh minha amiga, nunca precisei de ti! Safo-me muito bem com t-shirts! E fica sabendo que só te usei por acaso, para propósitos estéticos e porque me enganei. Sim, foste um engano no meu dia. E não tenciono repetir o erro. Secamente ponho-a no saco da roupa suja. Só volto a olhar para ti na Sexta quando te puser num molho de camisas. Todas usadas, gastas, sujas e inúteis. Só dás trabalho!”

15.07 Rei e Senhor do clima, finalmente livre da flanela opressora, caminho numa pseudo marcha triunfal de um guerreiro que vence uma dura batalha, em direcção ao meu arco do triunfo: o duche. Agora sim, água com pressão! E bem fria, para me tirar a moleza. Agora uso gel de banho! O Preven, verde! Cheira tão bem! Mas apenas por questões económicas – irrita-me o desperdício de sabonete porque durante todo o duche apanha água e vai-se gastando sem o usar! Psicótico, eu?

15:20 Um pólo azul. Agora sim, fresco (e sempre a condizer), pronto para trabalhar (pelo menos em intenção. E agora há um momento que me acontece todos os dias que não consigo explicar. Há uma quebra no contínuo do espaço-tempo e os minutos passam como segundos!

17.25 De repente já tá quase na hora de silêncio! Mas não fiz nada! Tive distraído ou a ler ou a tentar estudar, ou a ouvir música… Nem digo a dormir, por causa da apneia. Não sei porquê sempre que adormeço à tarde tenho ataques, por isso já desisti… Vou lá acima ver se há alguma coisa na copa que se coma.

17.28 Ainda cá estão uns seminaristas, os habitués do lanche. Procuro no armário…nada! Quer dizer, ele tá cheio, mas de nada que eu goste! Hoje vieram coisas do Continente e ainda há as do Pingo-Doce. O frigorífico está cheio de yougurtes, de papaia, será?... E estas mil garrafas de yougurt liquido de piña-colada! O que é que vão inventar a seguir… No armário há donuts, folhados, croissants, pães de leite, e mais 20 variedades de bolachinhas. Nada pra mim. Nem olho para as 45 marcas de cereais. Se ao menos houvesse chocolate para o leite…Ou uma Cerelac…

17.30 O Samuel toca o sino, começa o silêncio. Desolado lá volto para o quarto. Agora é tempo de oração ou de estudo. Fico a engonhar até as 6.
(Já só falta mais uma parte...)


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2 comentários:

Anónimo disse...

por mim podes continuar.nao sei se os outros leitores concordam...

João Silveira disse...

lol, só rir